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Tijolo por Tijolo: (re)construção dia após dia

Tijolo por Tijolo acompanha uma família recifense que se esforça para reconstruir seu lar depois de evacuarem a antiga casa da família por risco de deslizamento. O documentário dirigido e roteirizado por Quentin Delaroche e Victoria Álvares acompanha Cris e sua família, que precisaram sair às pressas da casa onde viviam, no bairro do Ibura, em Recife, porque o imóvel foi condenado a risco de desabamento. 

Tudo isso aconteceu em meio à pandemia do Covid-19 e durante a quarta gravidez de Cris, que luta para conseguir uma laqueadura pelo SUS. Na tentativa de tentar reerguer o lar mesmo com tantas adversidades, ela transforma sua realidade em inspiração ao trabalhar como influenciadora digital, compartilhando seu dia-a-dia com seguidores e, agora, com os espectadores desta obra sensível e impactante.

Nos primeiros minutos, o filme apresenta um panorama intenso dos desafios enfrentados por Cris, gerando uma expectativa de um tom predominantemente dramático e denso. Contudo, após a abertura, a narrativa assume um tom vibrante e cheio de esperança, misturando linguagens audiovisuais com um toque híbrido que combina imagens de câmeras profissionais com registros de celular feitos pela própria família protagonista.

A montagem é um dos grandes trunfos do documentário, aproximando o espectador da rotina e dos sentimentos dos personagens de forma genuína. Entre risos e lágrimas, o filme equilibra leveza e profundidade, com camadas e nuances, mostrando as dificuldades da vida na periferia sem romantizá-las. 

Outro mérito do longa-metragem é a liberdade concedida aos personagens para serem autênticos diante das câmeras. Não há encenações nem direcionamentos forçados. A espontaneidade de Cris, de seu marido Albert Ventura e dos filhos, como Caíque – que recebeu um celular dos diretores para registrar seu cotidiano – cria uma conexão imediata com o público. Esses registros, somados às imagens captadas pelos cineastas e às das redes sociais de Cris, fazem uma construção rica e humana, aproximando ainda mais os espectadores da realidade retratada.

A família, com seu carisma e determinação, simboliza o brasileiro comum: sorridente apesar das adversidades e sempre pronto para driblar a situação. Sua busca por oportunidades no universo digital reflete uma realidade nacional, em que milhões de trabalhadores informais enxergam nas redes sociais uma chance de sobreviver e prosperar. Por esse conjunto da obra, é muito fácil se identificar com os personagens deste documentário. O longa nasceu de uma convivência de quatro anos entre os diretores e a família. Essa proximidade imprime uma intimidade ainda maior neste cinema documental. 

A construção da casa é mais que um recurso narrativo – é sobre seguir de perto a trajetória pessoal de cada um dos personagens do filme, de toda a família de Cris. Cada um deles edifica sua própria casa, molda seu próprio futuro e cultiva seus próprios sonhos e esperanças. É ainda uma metáfora da construção do Brasil, da identidade brasileira, do País que queremos. Além de dar nome à música da trilha sonora do filme, interpretada por Alcione e composta por Serginho Meriti e Claudemir.

O momento culminante do filme, o nascimento da pequena Yasmin, encapsula as emoções da trajetória da família. O parto por cesárea — realizado conforme o desejo de Cris para fazer a sua laqueadura — é registrado com uma intensidade crua e uma intimidade marcante, fazendo com que o espectador se sinta presente nesse momento, assim como esteve ao longo de toda a jornada desafiadora. Esse momento simboliza um respiro de alegria após um período de provações. Esse arco oferece uma sensação de plenitude que contrasta com os desafios enfrentados pelos personagens. Finalmente Cris consegue o que tanto lutou: sua laqueadura e a reconstrução de seu lar.

Tijolo por Tijolo vai além de uma história de superação familiar. Costurando temas como feminismo, direitos reprodutivos, maternidade, empreendedorismo, desigualdade social e críticas ao governo Bolsonaro, principalmente durante a pandemia, o filme faz uma crítica social do Brasil contemporâneo. Ele questiona, por exemplo, por que apenas algumas mulheres têm seus direitos sexuais e reprodutivos respeitados, ou por que populações negras e vulneráveis são mais afetadas por tragédias ambientais.

Mesmo sem grandes inovações e com algumas instabilidades no som, Tijolo por Tijolo se destaca por exaltar a beleza e a força da vida mesmo nas condições mais adversas. Ele nos convida a refletir sobre o País em que vivemos, enquanto celebra a resiliência de uma família negra que constrói seu futuro, tijolo por tijolo, com coragem, amor e esperança.

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