O curta-metragem Meada Cor Kalunga, dirigido por Marta Kalunga, Alcileia Torres e Ana Luíza Reis (Analu), é uma obra profundamente sensível que explora e celebra os saberes ancestrais afrodiaspóricos da comunidade quilombola Vão de Alma, localizada em Cavalcante, Goiás. Situada na Chapada dos Veadeiros, a região é lar de um dos biomas mais preservados do Cerrado brasileiro e está intimamente ligada à cultura e aos costumes da comunidade Kalunga, o maior quilombo remanescente do Brasil, abrangendo os municípios de Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Teresina de Goiás. Formada por descendentes de escravizados que fugiram no século XVIII, a Comunidade Kalunga preserva tradições culturais e modos de vida transmitidos por gerações.
Meada Cor Kalunga é um documentário etnobiográfico que narra a trajetória de Dirani Kalunga, com a mediação de Marta Kalunga, ambas lideranças e guardiãs dos saberes populares e quilombolas. Durante os 23 minutos de filme, as protagonistas tecem uma narrativa envolvente através da oralidade, um dos principais meios de preservação da história dos povos originários. Com naturalidade e carisma, elas compartilham memórias e práticas tradicionais, revelando um rico legado cultural.
A narrativa do curta é conduzida pela prática de processos manuais que integram a colheita, a extração de tinturas e o tingimento de meadas de algodão. Esse processo artesanal, que utiliza pigmentos naturais do Cerrado, como jenipapo, 'cabelo de nego' e sucupira, é um reflexo da relação harmoniosa entre a comunidade e o meio ambiente, destacando o valor cultural e ecológico desse conhecimento. Cada cor e cada fio tingido são um elo entre o passado e o presente, conectando as gerações e preservando a sabedoria ancestral.
O filme enaltece o poder matriarcal de Dirani Kalunga e a cumplicidade com sua comadre Marta Kalunga, que, juntas, protagonizam e conduzem essa história de resistência e pertencimento. A espontaneidade e proximidade entre as duas criam um dinamismo e uma troca sincera que encantam o espectador, transformando o filme em um retrato íntimo e potente da amizade e do companheirismo que permeiam as duas representantes da cultura Kalunga.
As equipes de direção e direção de fotografia optam por utilizar planos mais fechados e closes intimistas, criando uma sensação de proximidade e conexão ainda mais intensa com Marta e Dirani. Essa escolha estética permite ao espectador mergulhar nas expressões, gestos e emoções das protagonistas, fazendo com que cada detalhe de suas histórias e de suas vivências seja percebido de forma mais profunda e autêntica.
Mais do que uma obra documental, Meada Cor Kalunga é uma celebração da força e da sabedoria das mulheres Kalunga e dos saberes que passam de geração em geração. É uma declaração de amor à memória tradicional quilombola, um espaço de retomada e aquilombamento, que valoriza o poder do coletivo e fortalece a luta pela preservação e valorização das identidades quilombolas.
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