Dirigido por Clara Linhart, Os Sapos, adaptação da peça homônima de Renata Mizrahi - e que já teve uma versão anterior em formato de curta-metragem de 16 minutos - é um filme tragicômico sobre relações de dependência amorosa. Aborda ainda os temas: sonhos, anseios, traições, preconceitos, misoginia e doenças.
O filme se passa em um dia e uma noite numa casa de campo rústica, alugada por Luciana (Karina Ramil) e Marcelo (Pierre Santos) que, juntos há oito anos, vivem um relacionamento aberto. Seus vizinhos e amigos, Cláudio (Paulo Hamilton) e Fabiana (Verônica Reis), são aparentemente felizes. Mas, conhecendo-os um pouco mais de perto, percebe-se um relacionamento altamente tóxico. Paula (Thalita Carauta), amiga de adolescência de Marcelo, logo entende que chegou em um terreno minado. Ela decide ter um fim de semana divertido, apesar dos conflitos que causa.
O filme começa leve, solar, revelando as belas montanhas de Lumiar. Assim como Paula, o espectador é introduzido numa paisagem amena, promessa de momentos agradáveis longe das neuroses da cidade grande. Planos fixos e movimentos suaves de câmera são um convite a um passeio na casa de campo rústica.
As cores levemente saturadas ressaltam o tom cômico do início do filme. O entardecer vem com a perda das cores, da luz e da graça de estar naquele lugar para Paula, a convidada, e para o espectador. Com a chegada da noite e dos conflitos mais pesados, a câmera se aproxima dos personagens, levando quem assiste a sentir o incômodo gerado pelas relações amorosas perversas.
Assim como os personagens, o cenário apresenta seus defeitos, suas imperfeições e se torna claustrofóbico. O campo (espaço que a câmera mostra) e o extracampo (espaço que a câmera não mostra, mas que está acontecendo no filme) estão ligados pelo som. Apesar dos ruídos assustadores da noite, a casa é silenciosa. Quem está no interior ouve o que se diz do lado de fora, no jardim, e vice-versa. O som da natureza e até dos objetos manipulados em cena se torna mais presente nos momentos de tensão.
A fotografia e direção de arte do filme são puxadas para tons quentes - principalmente no começo da obra -, mas o figurino de Luciana é sempre em tons frios, com o azul se sobressaindo, mostrando que ela é a personagem mais meticulosa e racional, sendo a provedora, enérgica e cuidadosa em seu relacionamento com Marcelo: não à toa ele a chama de Capitão e ela o apelida de Sargento. Porém, descobrimos que essa postura é apenas uma armadura para esconder a sua dor de não ter um relacionamento sério e exclusivo com Marcelo, um cara charmoso e galanteador, que trabalha num sebo de livros, sem grandes ambições na vida. Contenta-se com pouco e tem um estilo largado. Imaturo emocionalmente, prefere deixar tudo como está, mesmo sabendo que Luciana não está feliz.
Já Paula é uma pessoa mais passional, simpática, animada e sensível, que trabalha numa revista de literatura feminina. Acabou de se separar. Veio a convite de Marcelo para reencontrar os ex-colegas de colégio. Ela deseja espairecer, mudar de ares, descobrir novos lugares; por isso, a sua paleta de cores, o seu figurino é também em tons mais quentes.
Tem excelentes atuações, em que os atores constroem personagens interessantes, complexos, amáveis e odiáveis. A direção competente e sensível da Clara Linhart permite que o público se reconheça nos personagens ou nas situações por eles vividas, fazendo-os rir por identificação e se incomodar pela mesma razão.
A câmera no filme funciona como um microscópio capaz de enxergar olhares, gestos, suspiros que entregam desejos, medos e inseguranças. E a direção não busca apresentar personagens mulheres vítimas e homens monstruosos, mas identificar as neuroses complementares existentes em muitos casais.
Quem rouba a cena é Thalita Carauta, que, com seu desempenho ao interpretar Paula, uma mulher aparentemente forte, livre, feminista, mas que sofre assédio de Cláudio e investidas de Marcelo, mostra o seu lado vulnerável. Sua performance traz ainda mais profundidade à trama, que é cheia de nuances e camadas sobre as complexas relações humanas.
Verônica Reis também atua brilhantemente ao dar vida a Fabiana, uma mulher melancólica e frágil, casada com Cláudio e mãe de dois filhos que não moram com eles. Trabalha em uma loja de roupas caras; no entanto, sonha em ser escritora. É submissa a Cláudio em nome do amor incondicional que ele diz sentir. Tem uma doença grave, medo de desagradá-lo, e está em um relacionamento possessivo, abusivo e tóxico com ele.
Já Cláudio é um boa pinta, vaidoso, simpático, músico de bar e deseja fazer uma música de sucesso. Casado com Fabiana, que ele trata como uma boneca, uma posse, ele a ama; porém, tem um ciúme doentio. Fica violento, se for contestado. Prefere negar a doença da esposa a enfrentar o problema.
Paula é o catalisador para todas as máscaras caírem e os relacionamentos falidos desmoronarem. Só que no fim da narrativa as mulheres escolhem ficar em seus relacionamentos abusivos, infelizmente, nos mostrando como é difícil se desprender de amarras emocionais.
A fotografia da obra é belíssima, se passando em belos cenários naturais; contudo, na verdade a paz e calmaria naturais são um contraponto do caos que se passa dentro de cada personagem e da trama. E a direção de Clara Linhart brinca com os sentidos do espectador através da mudança de perspectiva do cenário e da natureza. A casa começa acolhedora e vai se tornando soturna, apodrecida por dentro. A natureza em volta passa de libertadora a opressora. À medida que a história se desenrola, o filme vai ficando sombrio e angustiante, tanto na fotografia como na direção de arte. Vamos entender melhor sobre os cenários.
A maior parte da trama se passa na casa de campo rústica alugada por Luciana e Marcelo, em Boa Esperança, Lumiar, distrito de Friburgo, na serra do Rio de Janeiro. A casa é cercada por montanhas e não tem nenhum vizinho por perto, só um pouco mais ao longe, Fabiana e Cláudio. Apesar de simples, a casa foi decorada com carinho por Luciana, com móveis antigos e objetos feitos por artesãos da região. O banheiro da casa é simples e limpo, mas também um reduto dos sapos.
Inclusive Os Sapos é uma metáfora aos sapos que sempre estavam no banheiro, eram retirados e voltavam. Ou seja, dessas idas e vindas nos relacionamentos complicados. Ao mesmo tempo, aos sapos que engolimos para manter uma relação. Daí vem o título do filme.
A cachoeira onde vão nadar é o Poço do Coronel, uma piscina natural cercada de pedras com um tobogã ideal para Marcelo se exibir para Paula, e deixar Luciana com ciúmes. E o Mirante é o cenário da conversa franca e libertadora entre Paula e Fabiana. Um local isolado, propício para revelar segredos.
Os Sapos é uma reflexão pungente sobre o aprisionamento emocional e as escolhas que nos mantêm ligados a quem nos machuca, tiram a nossa potência, o brilho e a autoestima e, ainda assim, não conseguimos nos desvencilhar. E quantos casais, independente do gênero, convivem anos juntos nessa situação. É uma história existencialista e feminina que, em algum momento, ressoa na experiência de todos nós.
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