Meça Três Vezes Antes de Cortar é uma obra que retrata um universo místico e performático, no qual bois, boiadeiros e seres encantados conduzem o espectador por uma dança simbólica, rica em tradição e espiritualidade. A narrativa é uma releitura ousada, criativa, contemporânea e artística do clássico Bumba-Meu-Boi, combinando mitologia e reflexão social com elementos da cultura popular. Em uma conversa com boiadeiros perdidos na mata, o protagonista é lembrado de uma lição fundamental: todo sangue é valioso, mas a língua é a carne mais rara de todas, simbolizando o valor da comunicação e a complexidade dos laços familiares e culturais.
Enquanto na saga original Pai Francisco precisa pegar a língua do boi mais caro do patrão para alimentar sua esposa grávida, Catirina, no filme Meça Três Vezes Antes de Cortar, o protagonista enfrenta um novo desafio. Ele precisa buscar o sangue de um boi raro para salvar seu pai, revelando camadas de significado sobre sacrifício, cura e a complexidade das relações familiares. Essa busca não é apenas uma jornada física, mas um caminho para o amadurecimento e reconciliação, onde a relação tumultuada entre pai e filho é explorada de forma visceral e sensível. O filho, que não se sente ouvido ou compreendido, passa por uma jornada ao longo do filme, levando o público a refletir sobre o papel da escuta, da empatia e da valorização dos laços.
Sob a direção de Zulmí Nascimento, a obra assume uma estética vibrante e pulsante, com um apelo visual forte que utiliza cores intensas tanto na fotografia quanto na direção de arte e figurinos.
Zulmí Nascimento é conhecido por transitar entre produções que combinam cinema, dança e artes visuais. Ele pesquisa as manifestações Afropindorâmicas - que reúnem elementos das culturas quilombola, negra e indígena -, em diálogo com questões étnicas e socioambientais. Meça Três Vezes Antes de Cortar revela um compromisso em manter viva a cultura brasileira, mostrar a pluralidade do nosso País e enaltecer o nosso folclore, ao mesmo tempo em que traz um olhar contemporâneo sobre temas como identidade e resistência.
Meça Três Vezes Antes de Cortar é um filme performático, onde dança, poesia, e expressões corporais se entrelaçam para formar uma obra contemplativa e reflexiva. Zulmí convida o espectador a uma jornada de imersão, onde os elementos simbólicos não são apenas referências, mas pilares de uma cultura viva, transformadora e em constante reinvenção. A performance dos atores, que trazem na fisicalidade de seus movimentos e olhares a essência da brasilidade, acrescenta ainda mais profundidade à experiência.
Com sua abordagem poética e fragmentada, o filme provoca reflexões sobre o ciclo de vida, morte e renascimento – um tema essencial para nossa cultura, marcado por ritos, lendas e histórias de resiliência.
O curta-metragem propõe ao público uma reflexão sobre as identidades culturais e a nossa relação com as raízes e o futuro. São fragmentos, rupturas e novas possibilidades que convidam o espectador a refletir sobre o ciclo da história, onde tradições são continuamente redescobertas e reinventadas. Assim, Meça Três Vezes Antes de Cortar não é apenas uma obra audiovisual experimental com personagens que têm nuances emocionais e culturais; é um convite à introspecção, uma celebração da cultura brasileira e um lembrete de que a nossa história é viva, pulsante e aberta para novas interpretações.
Fragmentos. Rupturas. Pluralidade. Reflexões. Qual é o Brasil que queremos?
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