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Doces Poderes: imagem, reputação e a manipulação da realidade



O objetivo desta resenha crítica é discutir o papel da comunicação e do marketing na construção ou destruição da imagem e da reputação das pessoas e organizações, a partir da história do filme Doces Poderes.
O filme brasileiro Doces Poderes (1996), da diretora e roteirista Lúcia Murat, conta com elenco de peso, dentre eles Marisa Orth, Antônio Fagundes, Sérgio Mamberti, Otávio Augusto, Tuca Andrada, José de Abreu, Cláudia Lira, e aborda primordialmente a manipulação da informação, questões éticas e o jornalismo no período de campanha eleitoral, tudo isso no gênero comédia e com uma dose de leveza, além de ter formato de documentário misturado com ficção.
A trama é a seguinte: a jornalista Bia, papel de Marisa Orth, chega a Brasília para ser chefe em uma grande rede de TV brasileira. Por ser período eleitoral, a sua equipe está desfalcada, pois muitos foram trabalhar em campanhas políticas. Inclusive, no decorrer do filme, tem depoimentos desses jornalistas que tentam se justificar por que foram trabalhar com política, adentrando aí o tom documental da obra, em que estes personagens dialogam com o expectador, quebrando a quarta parede.



Bia é contra esse modelo de ética e postura jornalística e critica os colegas que aceitam esse tipo de trabalho, visando apenas o financeiro. Aí adentramos em um primeiro questionamento importante, pois o filme mostra a possibilidade de jornalistas preservarem a sua ética mesmo diante de propostas financeiras tão tentadoras. Principalmente nós que trabalhamos com assessoria de comunicação e imprensa, temos que tomar muito cuidado entre o que é ético ou não, e se vamos colocar dinheiro acima da ética, pois é a área que mais acontece esse tipo de tentação, o assessorado tenta nos comprar, nos corromper, assim como a mídia. Então, vai de cada um.
Porém, o destaque da trama fica por conta de mostrar como os políticos e os partidos políticos utilizam a mídia para manipular a opinião pública, e também como a mídia distorce informações sobre os políticos.
E, para adentrarmos nessas questões, é preciso compreender os conceitos de imagem e de reputação e o papel da comunicação e do marketing na construção ou destruição da imagem e reputação de pessoas e, no caso do filme, dos candidatos e dos partidos políticos (que são um tipo de organização). Segundo os autores Elizabeth Brandão e Bruno Carvalho, a imagem e a reputação andam juntas, e por isso, na maioria das vezes, são confundidas, mas são coisas distintas. Imagem é um conjunto de símbolos associados a uma determinada marca ou pessoa, construída, em geral, por uma agência de propaganda, e que pode ser manipulada de acordo com os interesses da empresa. A reputação, por outro lado, se conquista, com o auxílio da assessoria de imprensa, sendo de difícil manipulação. A imagem tende a ser fugaz, efêmera e vulnerável a alterações de todas as ordens.  Reputação tem características de perenidade.
 Então, o filme vai mostrando como as campanhas políticas vão sendo feitas, o seu desenrolar, ao mesmo tempo em que mostra os conflitos éticos dos jornalistas personagens, que se deparam a todo momento com estas questões éticas, pessoais e do jornalismo. O maior exemplo, é o da protagonista Bia, que vê o seu trabalho ser distorcido e manipulado pela emissora em que trabalha. Estas questões fazem com que os jornalistas do filme (e da vida real) se perguntem se vale mesmo a pena lutar pelo que acreditam, pelos seus ideais, sua ética ou se devem sucumbir ao dinheiro, à ascensão profissional a qualquer custo.
Doces Poderes é uma metáfora da campanha das eleições para presidente do Brasil de 1989 entre Fernando Collor, candidato apoiado pelos veículos de comunicação e com uma poderosa campanha de marketing, e Lula, o candidato amado pelos operários, mas não pela mídia. Então, quem venceu é quem tinha maior poder e estrutura de campanha: Collor, que posteriormente sofreu impeachment. 
Ou seja, a imagem e a reputação do candidato que representava o Collor foram muito mais bem construídas, durante a campanha, como a de um homem inteligente, estudado, bem nascido, capaz, íntegro, que governaria da maneira correta e que precisávamos para evoluir. Já o outro candidato, representação do Lula foi inúmeras vezes caluniado, menosprezado, tendo a sua imagem e reputação machadas pela mídia e pelas pessoas, sendo visto como alguém que não estaria apto a governar, e que não passava de um mero sindicalista idealizador, baderneiro e pobre. Afinal, o poder econômico e simbólico das pessoas pode impactar no conteúdo que a imprensa divulga, e sabemos bem qual era o candidato preferido dela.

Ao longo do filme, podemos notar como a mídia e a imprensa manipulam a imagem de um candidato, positivamente ou negativamente. Para isso, o trabalho dos seus assessores de imprensa era primordial, para levantar os candidatos ainda mais e/ou para gerir crises de imagem e escândalos, inclusive de âmbito pessoal.
A mídia manipula imagens, informações e a construção da realidade. Ela vai tecendo as informações de acordo com os seus interesses e cabe aos assessores de imprensa tirar seus assessorados, no caso os políticos, de uma situação de manipulação, com a sua campanha correndo o risco de ir por água abaixo, revertendo a situação para com a população. Nem sempre o que a mídia divulga é a realidade, temos sempre que questionar.
Produzido com apenas R$ 500 mil reais, o filme só conseguiu ter um elenco de peso, Antônio Fagundes, Marisa Orth, Otávio Augusto, dentre outros porque eles gostaram da ideia e aceitaram pegar o projeto, mesmo com cachês pequenos. Mas cinematograficamente falando, é uma obra fraca em questão de direção e atuação, visto que os atores que estrelam são grandes nomes do cinema nacional, e nesse filme não foram extraídos todos os seus potenciais de atuação, por isso a direção e a obra em si deixam bastante a desejar.
Agora vamos adentrar ao cenário político brasileiro dos anos 90 e o que mudou de lá pra cá. Bom, se analisarmos em questão de estratégias, a maioria não mudou, as campanhas políticas ainda seguem as mesmas estruturas que seguiam nos anos 90, o que realmente está evoluindo são as tecnologias, principalmente, com o surgimento da internet, em que as redes sociais estão mudando a forma de se fazer e entender política.
Se antes, a população brasileira ficava alheia a golpes, corrupção e não tinha tanto conhecimento e discernimento sobre a política, agora esse conhecimento se popularizou e está acessível à palma da mão, e por isso, muita gente está se tornando mais engajada politicamente.
Atualmente, muitos crimes políticos não passam mais batidos, e a sociedade brasileira está cada vez mais exigente para com os nossos políticos. Contudo, ao mesmo, tempo, os candidatos e as campanhas também evoluem, e se antes, manipulavam a opinião pública na TV, agora manipulam na internet, nas redes sociais.
Estamos nos aproximando das eleições municipais de 2020, e é muito importante trazermos à tona essas reflexões. E Doces Poderes com certeza continua muito atual, por fazer com que nós refletíssemos sobre a política brasileira, respeitando-nos como expectadores, criando uma relação com quem assiste, declarando-nos como capazes de analisar, criticar a política brasileira e o fazer jornalístico e tirarmos as nossas próprias conclusões. 


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