Beleza e Feiura: Conceitos relativos
"Quem ama o feio, bonito lhe parece". O filme Shrek (produzido pelo DreamWorks Studios, em 2001) enfatiza esse dito popular e quebra paradigmas ao reforça-lo em pleno século XXI, onde a sociedade contemporânea se importa mais com a aparência do que com a essência, com o ter do que com o ser. A princesa Fiona abre mão de sua beleza, riqueza, luxo e trono para viver de amor, com uma pessoa que a enxergava além da casca.
Mesmo sendo uma obra de animação e comédia, recheada de humor, sarcasmo e extrema ironia, esta critica a sociedade de uma maneira muito atual. Nas palavras de Renata Degani de Souza Bastos em seu artigo intitulado Shrek - O Filme, análise fundamentada na estética da recepção:
"Shrek" inova ao inverter a lógica
de qualquer desenho animado produzido anteriormente, ao eleger como heróis da
trama o ogro Shrek e seu amigo o burro falante. Transforma a princesa Fiona,
doce, frágil e amigável de outros tempos, numa mulher moderna, atuante, boa de
briga e chegada numa confusão (mas que continua bela). Faz com que o príncipe
malvado seja baixinho, franzino e cabeçudo. E o pior de tudo, envolve o herói
na trama não em função de causas nobres como salvar o reino, derrotar
cavaleiros inimigos ou salvar a indefesa princesa; Shrek entra na trama para
livrar as terras onde vive da invasão de outros personagens das histórias para
crianças, como os citados Branca de Neve, Três Porquinhos, Lobo Mau e outros
famosos. Viabilizando dessa forma uma leitura metafórica dos filmes infantis
clássicos, dentro do filme. E, no fim, o feio casa-se com a bela princesa
Fiona, de modo que o conto de fadas às avessas teve seu final perfeito. (p. 3)
No
início da animação
o ogro aparece cuspindo, peidando num lago e
arrotando. O espelho quebra diante de sua feiura. Só por este início, já é
possível pensar que há uma certa intenção de chocar quem assiste ao filme, pois
são aspectos que não são veiculados em novelas, seriados e outros filmes, pois
fazem parte da intimidade das pessoas. Entretanto neles, o receptor se
reconhece, de modo que seus valores libertários e contestatórios são
incorporados catarticamente (Renata Degani, p. 4).
Ainda
sobre a relação da obra com o espectador, Renata Degani acrescenta que
Shrek é um case mercadológico que envolve o
público como poucos, seja despertando questões como as relações entre pessoas desiguais,
preconceitos, amizades ou até mesmo nossa vaidade (p. 7).
Ou
seja, ele escancara na cara de quem assiste as diferenças entre as pessoas, os
preconceitos que enfrentamos n avida em sociedade, o respeito que devemos ter
pelo próximo e os obstáculos que devemos percorrer se quisermos ter o tal
“final feliz”, pois “a vida não é um mar de rosas como nos é passado em outras
produções e que, muitas vezes, teremos que arregaçar as mangas e trabalhar
muito pesado para que possamos obter aquilo que desejamos” (Renata Degani p.10).
O
longa-metragem reitera que os conceitos de beleza e feiura são relativos, pois
quando gostamos verdadeiramente de alguém, seja na forma de amizade, paixão ou
respeito, passamos a enxerga-la através de sua aparência. Sobre essa questão a
autora traz muitas considerações.
O filme mostra definitivamente que beleza não
é imprescindível, uma vez que seus parâmetros são relativos, e que príncipe não
precisa ser lindo para fazer qualquer garota feliz. Fiona apaixona-se pelo ogro
do jeito que ele é, com seus defeitos e qualidades, já que nem sempre os
bonitões são aquilo tudo que aparentam. Lord Farquaad é rico, mas também
pedante, feio, desonesto e artificial, ou seja, nada apaixonante! (Renata
Degani, p. 10).
Acrescenta
ainda que
De forma engraçada, o filme ainda nos dá a possibilidade
de pensar em questões interessantes como as relações entre pessoas desiguais;
os preconceitos que se levantam com esse tipo de proximidade, a busca da
felicidade através da aparência, a tração mútua entre seres de classes sociais
diferentes; a importância de valorizar a essência, o mundo interior; a falta de
caráter dos príncipes encantados; e, principalmente, o romance entre dois
anti-heróis. O filme traz-nos um bom motivo para discutir a mania precoce por
dietas, plásticas, silicone e outras obsessões pelo embelezamento eterno e a
qualquer custo. Cada vez mais cedo, jovens sofrem com distúrbios alimentares,
como a anorexia, para se encaixar nos padrões de beleza e inviáveis modelos de
felicidade reproduzidos pela mídia. Afinal, príncipes encantados não se casam
com gordinhas (Renata Degani, p. 10)
No
início da trana, Shrek é perseguido e tratado como um monstro que queria matar
todos do reino próximo a seu pântano. Todos sempre gritavam ao vê-lo “Que
monstro feio e horrível”, julgando que por sua aparência ser repulsiva e
nojenta, ele era um monstro, uma criatura perigosa e desprezível.
Como
explicita Solange Mittmann em seu
artigo Da anormalidade
à beleza: leituras sob uma perspectiva não subjetiva da subjetividade
Shrek é apresentado como um monstro e oposto
à imagem pré-determinada de príncipe. Fiona é chamada de bela, linda, como está
pré-determinado que uma princesa de contos de fadas deve ser. Mas a princesa se
transforma em ogra e, por isso, é a companheira ideal para Shrek. Essas ideias
são as mesmas das falas dos personagens. Ideias pré-concebidas sobre como devem
ser um príncipe e uma princesa (e como não devem ser), sobre a oposição entre
humano e monstro, sobre a construção de pares calcada sobre a igualdade (e não
a diferença). Só que Fiona não é exatamente igual a Shrek, já que tem uma parte
humana e uma parte ogro e é filha de um sapo-homem. Fiona e o rei são seres
híbridos (p. 86).
Fiona
também é um monstro, assim como o seu pai por serem seres híbridos, são as já
discutidas em outros trabalhos, as aberrações, freaks, é o que combina o
impossível e o diferente com o proibido.
Shrek é um exemplo clássico de um filme
irrealista, que usa o maravilhoso para tratar de questões reais. Enfoca os de
relacionamentos humanos de um modo a refletir as complexidades que enfrentamos
na vida real. Os personagens têm valores em competição que exigem prioridades e
escolhas. No fim, os protagonistas optam por relacionamentos baseados na
confiança e no perdão, e não na aparência e vantagens pessoais. A linha final
do filme, quando a princesa se torna uma outra criatura: obesa e feiosa, para
os padrões humanos, e bela para os ogros, semelhante a Shrek. Enfatiza-se,
então que um valor humano real não pode ser baseado em mera aparência, que a
beleza depende dos olhos que a vêem e que as qualidades de cada um vão além de
padrões físicos pré-estabelecidos (Renata Degani, p. 11).
“As
aventuras do ogro vão além do roteiro, ao brincar com estereótipos sagrados das
histórias para crianças e refletir sobre um dos problemas fundamentais da sociedade
atual: a intolerância ao diferente” (Renata Degani, p.10).
"Shrek" subverte a lógica dos
contos de fadas tradicionais migrando-os para os dias atuais, para deixar sua
mensagem à sociedade contemporânea: a essência transcende a aparência. É o início
de um novo pensamento de aceitação às diferenças ou de pelo menos, repensá-las.
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