Sempre ouvia dos meus professores do curso de Comunicação Social Habilitação em Audiovisual da UEG (Universidade Estadual de Goiás) que a música Faroeste Caboclo, composta e interpretada pelo gênio da música brasileira, Renato Russo e imortalizada por sua banda, Legião Urbana é um roteiro perfeito, com começo, meio e fim, clímax, turn points (pontos de virada) e plot points (pontos de ápice), além de ser uma história envolvente e cheia de romance. E que não seria preciso acrescentar nem retirar nada na trama, e quem se arriscasse a fazer um longa-metragem dessa canção seria muito feliz.
E enquanto estava escrevendo essa crítica, o Fantástico exibiu uma reportagem com o filho do Renato Russo, Giuliano Manfredini, e ele mostrou o manuscrito da música e as anotações comprovam que Russo realmente escreveu a letra como um roteiro, colocando rubricas de tensão, clímax... Um verdadeiro tesouro da música brasileira.
De fato, não tem muito segredo em adaptar aquilo que é considerado obra-prima do rock brasileiro e que já está pronta, mas o risco de não agradar o público, uma legião de fãs da banda e de Russo e crítica era grande. E de fato, o produto audiovisual dividiu opiniões. O diretor (estreante, Faroeste Caboclo foi seu primeiro longa) René Sampaio e sua equipe fizeram um bom trabalho, com boa fotografia de Gustavo Hadba,
direção de arte e ótimas atuações de um elenco quase todo formado por
desconhecidos - o que ainda deu um tom mais especial e envolvente à obra - porém não agradou muito os fãs da música mas agradou muitos críticos. Os excessos de Sampaio, que coloca o ritmo da trama um pouco desregulado, principalmente no início, que
conta com duas grandes passagens de tempo em um período curtíssimo piora a situação. Mas no geral, o diretor se sai bem.
É importante ressaltar que não se
trata de uma adaptação literal da canção. Nem tudo o que vemos
na telona está na música e vice-versa. Isso era inevitável, afinal
trata-se de um longa com 100 minutos de duração e a música tem apenas cerca de 9 minutos. Por isso, algumas cenas e trechos podem ter incomodado algumas pessoas, mas como adaptação é uma produção bem honesta e eficaz. Mas afinal, qual seria a finalidade do cinema se não existisse a liberdade poética e o poder de adaptação?
Particularmente, o que não me agradou muito foi o fato de o longa dar ênfase em demasia ao romance de João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) e Maria Lúcia (Ísis Valverde), que é construído com mais pressa
do que deveria pelo roteiro, o que impede um entendimento melhor sobre
os motivos não carnais para aquela aproximação, e não dá a devida importância a saga de João e, até mesmo, sua rivalidade com Jeremias.
Boliveira vive o protagonista João de Santo Cristo, um personagem extremamente humano um personagem extremamente humano, podendo ser movido tanto pelo ódio
quanto pelo amor, com uma veracidade incrível, ele está totalmente confortável neste personagem tão desconfortável. O tratamento multifacetado ao mesmo
tempo evita uma glamourizarão do protagonista e acentua seu papel de
herói e mártir da trama.O ator se entrega totalmente ao papel, surgindo ameaçador e
também delicado, exatamente como sugere a canção.
João é um sujeito que
se muda para Brasília à procura de uma nova vida. Lá, encontra seu
primo Pablo (César Troncoso),
um traficante que logo lhe oferece um espaço em seu negócio. Ao lado do
parente, ele começa a se envolver na venda de drogas na asa sul da
Capital Federal, incomodando um playboy traficante local chamado Jeremias - que vivido por Felipe Abib, o torna uma figura um pouco mais patética do que deveria ser - pelo sucesso de João nos negócios e por este se envolver com sua paixão, Maria Lúcia.
Valverde (que é é a mais conhecida, também se sai muito bem).
Além de linda, ela tem uma boa presença nas cenas que necessitam de
certo talento dramático.
O elenco conta ainda com as participações de Flavio Bauraqui, Antonio Calloni e Marcos Paulo, que tem uma atuação mais discreta
na pele do senador que é pai de Maria Lúcia, mas que cumpre muito bem seu papel. Este foi o último trabalho do
ator nas telonas, que faleceu no final de 2012, vítima de uma embolia
pulmonar.
Bauraqui é quem se sai melhor do trio veterano. Ele surge em poucos
momentos em flashbacks como o pai de João, mas é o suficiente para
apresentar uma grande força dramática. Calloni tem um personagem um
pouco mais caricato, que é o policial corrupto que persegue João. Mas também se sai bem em sua função.
Um dos grande méritos (e tragédia para alguns) de Faroeste Caboclo (2013) é contar uma
história sem ficar preso à obra original. Isso em todos os sentidos, uma
vez que a música também só surge nos créditos finais. Na verdade, em
determinados momentos podemos ouvir alguns acordes, mas só isso.
Um ponto
positivo, realmente, está no fato do longa se assumir como um faroeste em várias
cenas. Já na primeira sequência temos uma tomada dos olhos de Boliveira
que remete diretamente à ícones do gênero como John Wayne e Clint Eastwood.
As referências também estão presentes em tomadas no chão, que destacam
os passos e a bota do protagonista, e da própria trilha sonora. Também está muito arraigado na cena final do duelo entre João e Jeremias, que é idêntica aos faroestes americanos. E para finalizar, na Winchester-22.
Curiosamente, o filme chega aos cinemas na mesma época que Somos Tão Jovens (2012), que conta a história de Renato Russo no início de sua carreira. Por mais que não seja uma cine biografia, Faroeste Caboclo acaba
falando mais sobre a Brasília dos anos 80 do que a outra produção. Vemos a cidade como um dos principais elementos da história,
surgindo quase como um dos protagonistas. Vários cenários da cidade
são abordados e o longa se utiliza ainda de imagens de arquivo do
clássico documentário Conterrâneos Velhos de Guerra, de Vladimir Carvalho (que também dirigiu Rock Brasília - Era de Ouro), além de retratar a realidade da juventude da época, com seus dilemas, drogas e conquistas.
No geral, Faroeste Caboclo chega bem aos cinemas, oferecendo ação, romance
e suspense. Tudo isso sem ser pudico ou esconder a realidade da época, regada à sexo, drogas e muita violência.
Assistir um filme em que já se sabe o final não é tão empolgante, principalmente quando seu “roteiro” é tão conhecido! Foi assim que entrei no cinema para assistir o filme, com um “´pré-conceito” de como seria o mesmo!
ResponderExcluirE pra ser sincero, esperava muito mais do filme. Como a letra da musica é um roteiro pronto, completo (como vc disse acima), eu imaginava um assistir filme de ação, drama, romance e “bang-bang”, mas fiquei frustrado, pois faltou muita coisa no roteiro adaptado!
Não sei se aconteceu com vc ou com demais pessoas que assistiram ao filme, mas a letra da música (até a melodia) circulava nos meus pensamentos o tempo todo, como se mentalmente eu comparasse a letra com o que estava passando ali na tela.
Em resumo, o filme foi até bom devido a atuação dos atores (um salve para Fabrício Boliveira e Isis Valverde), que deram vida (de verdade) à João de Santo Cristo e Maria Lúcia (“Maria Lúcia era uma menina linda e o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu”), mas deveria ter seguido mais à risca o roteiro original (ou melhor, a letra da música).
Realmente, a adaptação ficou a desejar, esperava um pouco mais de ação, mais fidelidade à letra, contudo, num contexto geral, eu gostei.
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